Com jogos durante o dia, Rocinha dribla violência na sua Copa do Mundo

A grama - sintética - foi reformada. As dimensões do campo foram aumentadas. A torcida comparece ao "estádio" do Vila Verde. Brasil, Itália, Espanha, Alemanha, Argentina disputam o título. Mas esqueça o padrão Fifa. E também as broncas de Jéromê Valcke. A Copa do Mundo em questão acontece na parte alta da Rocinha, favela localizada em São Conrado, Zona Sul do Rio. Além de times da própria comunidade, equipes do Vidigal, Cruzada São Sebastião, entre outras, completam a lista dos 32 países no Mundial improvisado. E ali também existe preocupação com segurança. Os jogos acontecem todos os domingos ao longo do dia. Isso porque, durante a noite têm sido registrados episódios de violência nos becos e vielas.
- Sou nascido e criado na Rocinha, desde 1986 organizo campeonatos. Naquele tempo, a premiação era guaraná Maré, as traves eram caixotes. Nasceu a ideia de a Rocinha ter um calendário de futebol. Pedimos ajuda na birosca, com pais das crianças. Agora, temos a Copa do Mundo, com sequência de jogos igual, tabela, grupos idênticos. Para a escolha de quem seria o Brasil, o critério foi de ser o time campeão da Rocinha no ano passado - afirmou o organizador e um dos diretores de esportes da associação de moradores, Eduardo Souza, 45 anos.

(Foto: Levi Ricardo/Divulgação)
Na Copa, são 20 times da favela de São Conrado representando seleções. E mais 12 equipes de outras comunidades do Rio. Sem apoio privado, o suor e uma ajudinha de comerciantes locais e dos próprios jogadores financiam a Copa do Mundo da Rocinha. Os árbitros, por exemplo, são pagos. Aos domingos, o campo do Vila Verde recebe torcedores que cercam a quadra em dias de jogos. Sempre disputados somente até o fim da tarde.
- Depois da Rocinha pacificada, muitas coisas que se esperavam do poder público, como ações sociais e obras, realmente não chegaram. O que a gente tinha de lazer, festa de rua, isso também não existe mais. Escureceu, a Rocinha vira Faixa de Gaza. O campeonato em si, por ser no domingo, de dia...o cara vai dormir cedo sabendo que tem um pagodinho, um almoço que o bar oferece durante os jogos. É um ponto de encontro seguro. Quando escurece, o clima fica tenso. Dia de jogos é uma opção a mais para a pessoa que quer rever os amigos, com entrada franca, muito família – afirmou Eduardo Souza, conhecido como Kadu na favela.
Mesmo pacificada desde o fim de 2011, a Rocinha tem registrado problemas constantes ligados à violência, e o cotidiano tem revelado medo de moradores com a situação. No mês passado, o corpo de Francisca Gleiciane Oliveira da Silva, de 18 anos, foi encontrado, nu e amarrado, dentro do banheiro de um bar na Estrada da Gávea, localizado na Rocinha.
Claudinho, do Ituano, saiu da Rocinha

E a Rocinha dá frutos para o futebol. Claudinho, nascido na favela, foi campeão paulista pelo Ituano no início do ano. Na comemoração, chegou a exibir uma camisa com a palavra "Rocinha".
Pouco depois da conquista, o atacante de 21 anos passou parte das férias na favela - onde ainda moram seus pais. Apesar de não renegar sua origem e de ter muitos amigos na comunidade, Claudinho revelou o desejo de tirar parentes de lá.
- Está um pouco perigoso aqui, queria dar uma vida melhor para eles, tirar meus pais, acho que chegou a hora - afirmou Claudinho, em entrevista à rádio Globo depois do título pelo Ituano.
Preocupação com aliciamento do tráfico
Claudinho começou a bater bola na Rocinha ainda criança. Depois, foi para as categorias de base do extinto CFZ. Durante os jogos da Copa do Mundo na favela, crianças aproveitam uma brecha para arriscarem seus chutes. A ideia dos responsáveis pelos esportes na comunidade é vencer a disputa contra o aliciamento do tráfico e, assim, formar novos atletas.
Existe carência de espaço, as crianças vão para beira do campo se enturmar, no intervalo brincam. Hoje, a Rocinha tem cerca de 15 escolinhas no interior da comunidade. O Complexo Esportivo abriga 4.500 crianças, mas funciona como centro de recreação, e não de lapidação. Acabamos lapidando nossos valores nas nossas quadras. O Claudinho que joga no Ituano foi artilheiro das Copas na Rocinha desde sete, nove anos. Temos da mesma safra o Iuri Martins, que joga na segunda divisão da Itália – destacou Kadu.

Mas nem sempre a vitória é da bola. Nos últimos três anos, moradores da Rocinha percebem que o tráfico aumentou ainda mais o assédio entre crianças e adolescentes, de 13 a 17 anos, por serem menores de idade. E nem sempre o longo e tortuoso caminho da bola encanta mais do que o dinheiro “fácil” do tráfico.
- Isso deixa a gente muito triste. Mas não podemos deixar a bola cair - destacou Kadu.
A grande final da Copa do Mundo realizada na Rocinha está marcada para 6 de julho. Nesse dia, assim como tem acontecido nas rodadas iniciais, uma grande queima de fogos anunciará o início da peleja. O espocar dos morteiros - que já serviu para alertar os bandidos da entrada da polícia no morro ou da chegada de carga de drogas - agora tem outra conotação.
- Soltamos sequência de fogos para chamar a comunidade, saber que está rolando a bola. Acaba sendo um bom programa diante da falta de opções atualmente na Rocinha - completou Kadu.

Autor: ,postado em 14/05/2014
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