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Adepto do bigode grosso, Holyfield supera incêndio e prepara despedida


Adepto do bigode grosso, Holyfield supera incêndio e prepara despedida

Muito antes de o bigode grosso ser venerado na letra do funk e espalhado nas comemorações do futebol, um baiano já impunha respeito com ele. Reginaldo “Holyfield” Andrade: braço pesado, destemido, alguma agilidade, mas nem tanta técnica. De origem humilde, chegou ao topo do boxe lutando muito mais pelo instinto. Mas sucumbiu. No ringue foram poucas vezes. Se contar, cabem nas duas mãos. Em todas, levantou e deu a volta por cima. Na vida, aprendeu a lição e fez o mesmo. Foi chacota, passou por um incêndio, salvou vidas, voltou ao boxe e agora tenta encerrar a trajetória fazendo o que de melhor sabe fazer: lutando.

Reginaldo Holyfield (Foto: Reprodução TV Bahia)Reginaldo Holyfield viveu momentos de glória no boxe brasileiro (Foto: Reprodução TV Bahia)

Holyfield foi o principal nome do boxe baiano por um longo período. Antes de Acelino “Popó” Freitas, era ele quem dominava a modalidade no estado. Foram seis títulos brasileiros, quatro sul-americanos, seis latinos, um hispânico e dois mundiais pela Federação Mundial de Boxe (FMB), entidade considerada de segundo escalão do mundo do pugilismo. Todos na categoria supermédio. 

Mas, aos 47 anos, Holyfield não é mais o mesmo. Não deixou o boxe oficialmente, apenas se manteve afastado dos grandes eventos – ou foi afastado deles involuntariamente. Chegou a participar de um quadro de uma emissora baiana em um programa popular. Em 2011, viu sua residência pegar fogo, salvou os sobrinhos e teve 40% do corpo queimado. Atualmente, não tem sequelas do acidente, mas consequências da vida. Os motivos de um Holyfield diferente são muitos. A mira e a velocidade não respondem do mesmo jeito. A fala tornou-se ainda mais incompreensível. 

- Murro na cara é murro na cara. Às vezes a língua embola, mas passa – brinca o pugilista, em entrevista ao GloboEsporte.com.
Apesar de todos os títulos conquistados, Holyfield ficou famoso pelas cenas protagonizadas com o pernambucano Luciano “Todo Duro” Torres. A rivalidade entre os dois ia muito além da ânsia de vencer um adversário. Transcendia para o campo cultural dos dois principais estados nordestinos. Era uma forma de os povos baiano e pernambucano mostrarem e se sentirem superiores regionalmente. Algo do tipo: quem manda aqui somos nós. 

A concorrência, muitas vezes, ia além do esperado para a conduta de dois pugilistas profissionais. Não foram poucas as ocasiões em que Holyfield e Todo Duro se comportaram como duas crianças em desavença no recreio escolar. 

Em uma coletiva de imprensa realizada em Salvador, em 1997, antes de uma luta entre os dois, os pugilistas estavam sentados juntos, separados apenas pelo promotor do evento. Durante uma pergunta, Todo Duro lambe a mão direita, esfrega uma na outra, levanta-se e acerta um tapa em cheio no peito do baiano. O revide é imediato, e os dois precisam ser separados por dezenas de pessoas.

- Agora a coisa ficou pessoal. Vou bater nele dentro do ringue e vou bater fora também – disse um inconsolável Holyfield após a coletiva.

- Eu não me dou bem com ele, ele não se dá bem comigo. Se colocar perto de mim, eu vou atolar nele. Ele ficou lá de vacilo com aqueles ‘dentão’ dele, aquele espírito de porco. Dei logo um café pequeno nele – justificou Todo Duro na época.

Na luta, realizada naquele ano no extinto ginásio Antônio Balbino, o pernambucano não suportou os golpes certeiros e diretos do baiano. Para evitar um sofrimento maior, Todo Duro jogou a toalha.

- Eu acabei com o boxe pernambucano. Eu acho que quem viu isso... Todo Duro nunca mais vai lutar boxe. Eu tenho certeza. Eu calei a boca dele – comemorou Reginaldo Holyfield na ocasião. 


Os dois se enfrentaram seis vezes. Cada um venceu o duelo em três oportunidades. O desempate está marcado para o dia 10 de maio. O tira-teima será, também, a despedida de duas lendas do boxe regional: acontecerá na cidade de Filadélfia, a 350 quilômetros de Salvador. 

Até lá – e posteriormente ao duelo – ficarão na memória os incontáveis 'causos' dos dois atletas. As brigas em pesagens, discussões em coletivas, lutas que tiveram revide até mesmo depois do banho no vestiário. Até mesmo em programas de televisão.

O apresentador Rembrant Junior sabe bem disso. Em um dos encontros da dupla de atletas, o apresentador conversava com os pugilistas no estúdio da Globo Recife e fez o alerta: “A luta não vai acontecer aqui”. Não adiantou. Holyfield elevou o tom de voz, Todo Duro mandou ele falar baixo por “estar em minha terra”. Os dois se atracaram ao vivo e por cima do apresentador.
Durante sua carreira de pugilista, Holyfield fez 76 lutas e venceu 65 delas. Um cartel bom para o boxeador brasileiro. Fama e dinheiro fizeram parte de sua vida durante um bom período. As mulheres e aproveitadores também. Sem uma estrutura adequada, o baiano não conseguiu manter nem metade do que conquistou ao longo dos anos.

- Ganhei bem, mas no Brasil você ganha moeda do Brasil, não ganha moeda internacional. Não tive um grande empresário, como o Popó teve, e os que eu tive me traíram, se aproveitaram de mim – lamenta Holyfield.

Uma das pessoas de quem o pugilista diz guardar mágoa é Luiz Carlos Dórea. O responsável pelo sucesso de Popó foi também treinador de Holyfield. Entretanto, o boxeador prefere não entrar em detalhes sobre o que aconteceu entre os dois.

- Já passou. Me dei mal, mas já passou. Não adianta falar agora, porque só vai gerar fofoca - avalia Reginaldo.

Sem guardar o que conquistou, Holyfield viveu tempos difíceis em Salvador. Deu aulas em academias de musculação, recebeu menos que um salário mínimo, passou a morar em casas humildes e viu muitas portas se fecharem. Enquanto estava no auge, era bem quisto. Quando as lutas se esvaíram, passou a ser rejeitado. 

A situação do boxeador começou a mudar em um dos momentos mais críticos da vida. Em setembro de 2011, a casa de Holyfield, no bairro de Massaranduba, em Salvador, pegou fogo. De acordo com a mãe dele, Maria de Lourdes dos Santos, os sobrinhos do atleta atearam fogo a um papel que caiu em um colchão. Rapidamente, toda a casa estava em chamas. 

Holyfield, que estava no térreo, foi despertado pela mãe e subiu correndo para ver os sobrinhos. O lutador tirou as crianças da casa e retornou para tentar apagar o fogo. No instinto de preservar o que tinha, foi ao banheiro e pegou água para jogar por cima das coisas. Mas escorregou na porta e caiu.

- Eu vi as chamas no corpo dele – contou a mãe de Holyfield na época. 

reginaldo holyfield no hospital após ter corpo queimado (Foto: Reprodução/TV Bahia)Holyfield precisou passar por duas cirurgias após o incêndio em casa (Foto: Reprodução/TV Bahia)

As chamas atingiram principalmente os braços e o ombro, mas as pernas também sofreram queimaduras. O pugilista ficou internado por um bom período no Hospital Geral do Estado e teve que passar por duas cirurgias por causa das queimaduras de 2º e 3º graus.

- Eu acabei. O esporte para mim não tem mais sentido. O fogo me derrubou. Mas não tenho arrependimentos. Como lutador, ganhei muitos títulos. Sou Holyfield hoje graças ao boxe – chegou a dizer enquanto estava na cama do hospital.

Na época do acidente, até o verdadeiro Holyfield se sensibilizou. O americano Evander mandou uma mensagem de apoio ao baiano e o classificou como “herói de verdade”. Pouco tempo depois, ele recebeu um prêmio de R$ 50 mil no quadro Lar Doce Lar, do programa Caldeirão do Huck. Recebeu, ainda, muita ajuda dos baianos.

- Não sabia que a Bahia gostava tanto de mim. Os artistas também me ajudaram muito. Daniela, Ivete, Claudia Leitte - revela.

O desânimo não durou muito. Assim como fez quando foi à lona no ringue, o baiano deu a volta por cima. Menos de três anos após o incêndio, o pugilista já estava com as luvas calçadas e mandando ao chão mais um adversário. No início de fevereiro, Holyfield arrasou “Som do Caráter”, lutador da região de Filadélfia. A luta foi realizada como preparativo para o duelo com Todo Duro.

- Que trauma? Que sequela? Estou é dando murro – comemora Holyfield em entrevista ao GloboEsporte.com.

Reginaldo Holyfield, pugilista baiano, ao lado de Ivete Sangalo durante carnaval (Foto: Reprodução/Facebook)Reginaldo Holyfield, pugilista baiano, ao lado de Ivete Sangalo durante carnaval de Salvador (Foto: Reprodução/Facebook)

 

 


A volta aos ringues e a recuperação da autoestima passam pela decisão de Holyfield de deixar Salvador. Após a tentativa frustrada de ser vereador da capital baiana em 2012, o pugilista fez amizade com um deputado estadual e foi chamado para o interior do estado.

A ida para Filadélfia foi concretizada com a garantia de um emprego na prefeitura local, um salário digno, moradia e a possibilidade de trabalhar com o boxe com as crianças do município. Holyfield se tornou a atração da cidade. Por onde passa, chama atenção. Fotos e autógrafos são constantes no dia a dia do lutador. 

Perto do fim da carreira e depois de quase abandonar o esporte, o baiano tem sentido novamente o gosto da fama. A mudança aconteceu também graças ao convencimento do irmão.

- Ele é pastor e me chamou para a igreja. Eu estava passando dificuldades, e a gente tem vários caminhos: o crime, as drogas e a religião. Eu escolhi a religião e estou bem melhor hoje – confessa.
De bem com a vida, Holyfield conta os dias para o reencontro com o seu maior desafeto e principal responsável pelo sucesso durante tantos anos. A ideia da última luta entre os dois surgiu exatamente do baiano. 

Um amigo do boxeador, que trabalha na prefeitura de Filadélfia, viu uma reportagem em que Todo Duro afirmava que queria fazer sua última luta como profissional. Rapidamente, Holyfield pediu para entrar em contato com o rival e propor o desafio. Seria a concretização do que estava planejado para 2011, quando o incêndio mudou os planos. Mesmo com tanto anos sem subir ao ringue, o baiano não pensou duas vezes.

Reginaldo Holyfield, pugilista baiano (Foto: Reprodução/Facebook)Pugilista teve que usar luva especial durante um tempo após queimaduras (Foto: Reprodução/Facebook)

- Medo? Se eu não tive medo de fogo, vou ter medo de um homem? - indaga o pugilista.

A despedida entre os dois terá uma cobertura especial. O cineasta baiano Sérgio Machado, assistente de direção de Central do Brasil e diretor de filmes como Quincas Berro d’água e Cidade Baixa, já estava em contato com os atletas para realizar um documentário e se animou com a confirmação da luta.

- Vai ter um filme que vai passar para todo o mundo. O diretor já trabalhou Wagner Moura e Lázaro Ramos – comemora o baiano.

A ideia inicial era realizar um bate-papo entre os dois para relembrar os momentos marcantes da carreira. Apesar de todos os desentendimentos, Holyfield e Todo Duro concordaram tranquilamente com o reencontro. Agora, aceitaram ainda mais felizes a mudança dos planos. As filmagens terão início no dia 28 de abril, e duas equipes acompanharão os treinamentos dos atletas durante 15 dias antes da grande luta.

- Foi uma super coincidência. Seria mais um encontro, uma conversa entre eles. Mas tem a luta, uma espécie de tira-teima dos dois. O interessante é que os dois continuam ídolos. Eles estão sem grana, são poucos conhecidos no Brasil, mas estão no imaginário baiano e pernambucano. Estou ansioso para começar logo as filmagens – comentou Sérgio Machado.

Holyfield também não se contém de ansiedade. O documentário será só mais um registro de sua trajetória de vitórias, derrotas, heroísmo e muita volta por cima. Mas o que ele não vê a hora de chegar mesmo é o reencontro com Todo Duro. O baiano mudou muito, diz não guardar mágoas, mas não esquece da antiga rivalidade. A luta do dia 10 de maio tem sido chamada de 'a despedida' dos dois pugilistas. Mas está longe de ser o último capítulo desses nordestinos. 

- Aquele tapa que ele deu em meu peito me deixou super magoado, mas, como sou evangélico, já estou superando. Vou encerrar a carreira dando uma porrada nele por causa daquele tapa. Eu mudei. Aquele homem brabo acabou. Holyfield agora é outro homem, mas em cima do ringue é outra coisa - garante o baiano.

O bigode grosso continua intacto. E é bom respeitar o moço.

Autor: ,postado em 22/03/2014


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