Com 18º ouro olímpico no peito, Phelps diz adeus às piscinas

Aquele menino magrelo e de orelhas grandes representava um problema para as professoras. Estava sempre correndo pela escola, agitava os colegas, era provocado por alguns deles e tinha dificuldade de se concentrar nas aulas. Parecia um peixe fora d'água. Não foram poucos os recados que a mãe, Debbie, recebeu sobre queixa de seu comportamento. De uma das orientadoras, ouviu que o filho, diagnosticado com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, jamais teria sucesso porque não conseguia se concentrar. Esse era o futuro que ela previa para Michael Phelps. Não podia imaginar que aquela criança se tornaria o maior medalhista olímpico da história, que neste sábado, no Centro Aquático de Londres, disputou, aos 27 anos, a prova que encerrou uma carreira brilhante.
A última imagem do fenômeno americano, que estreou nas Olimpíadas com 15 anos (em Sydney 2000) e não se cansou de derrubar recordes, foi no alto do pódio. Escalado como terceiro homem do revezamento 4x100m medley, ele caiu para nadar o borboleta em segundo lugar. O dominío japonês duraria pouco tempo. Phelps partiu para cima e entregou na frente para Nathan Adrian completar o serviço com 3m29s35, seguida de Japão (3m31s26) e Austrália (3m31s58). Entre sorrisos e lágrimas, o momento que tanto esperava havia chegado, e com 22 medalhas olímpicas na conta (18 de ouro, duas de prata e duas de bronze).
- Terminei a carreira do jeito que queria. Sempre disse que não queria nadar até os 30 anos, sem ofender quem nada até os 30 (risos). Fiz tudo o que quis. Bob (Bowman, técnico) e eu conseguimos dar um jeito de alcançar tudo. E se você pode falar isso da sua carreira é porque é hora para outras coisas. Foi uma jornada incrível - afirmou.

Phelps poderá agora viver uma vida normal e sem ter que contar ladrilhos. Já tinha cumprido o papel que Bob Bowman havia escolhido para ele aos 12 anos. O técnico viu no pequeno Michael características físicas e potencial suficiente para torná-lo um grande nome do esporte. Pediu a ajuda dos pais para convencê-lo a deixar as outras atividades que fazia. Ia do lacrosse para o beisebol e de lá para a piscina. Todos os dias. Optou então pela natação, embora não nadasse nenhum estilo direito, já que as irmãs eram nadadoras. Deixava ali dentro da piscina toda a raiva que sentia de quem o fazia sofrer. Desde muito cedo reconheceu seu apetite por competição e poder de reação.
- Se quero muito alguma coisa, sei que a conquistarei. Sempre foi assim - dizia.
Atenas 2004: nasce um mito
Foi exatamente o poder de concentração ausente na infância que se tornou o seu diferencial. Aquele ambiente da piscina o acalmava. Com o passar do tempo foi tomando gosto pela coisa. Queria ganhar uma medalha olímpica, apenas uma. Foi do quinto lugar em Sydney 2000 para oito medalhas - seis de ouro, duas de bronze - em Atenas 2004. Aos 19 anos, passou a ser invejado por alguns adversários e imitado por outros. Mas o melhor ainda estava por vir. Em Pequim, tinha um desafio ousado: superar os sete ouros conquistados por Mark Spitz em Munique 1972. Cercou-se de cuidados para isso. Lembra que num treino na China colocou o técnico para vigiar sua garrafa de água com medo de que alguém pudesse colocar algo nela. Tudo saiu como o previsto. Michael foi um assombro. Parecia não haver limites para ele.
Se a perfeição dentro d'água era indiscutível, fora dela as falhas aconteciam e tratavam de humanizar Phelps. Meses depois dos Jogos de Pequim, foi fotografado fumando maconha em uma festa universitária. Na ressaca de Atenas, resolveu aproveitar um pouco a vida sem ter ninguém para lhe dizer o que fazer. Numa noite qualquer, pegou o volante do carro após ter bebido três cervejas. Ainda não tinha idade legal para isso e, ao avançar um sinal, foi parado por policiais. Teve medo do que a mãe e Bob diriam, dos gritos deles. Foi assim também outras duas vezes. No ano seguinte, deu uma pancada com a mão direita e teve que colocar três pinos. Em 2007, escorregou na rua e a machucou de novo, agora na altura do pulso. Pensou que não fosse nada demais, até ver o tamanho do inchaço. Antes de ligar para o técnico avisando, fez as contas para saber se daria tempo de disputar as Olimpíadas de Pequim se tivesse que operar de novo. Mais um parafuso foi colocado.
Oito ouros na China
Fez, sem reclamar, tudo o que Bob lhe pediu dali em diante. Tinha o recorde de Mark Spitz para quebrar. Os 400m medley deram a certeza de que Phelps precisava. Estava bem e só teria de vencer mais sete vezes. No total, seriam necessárias 17 caídas na piscina. Em duas delas, prendeu a respiração. Primeiro foram os franceses do 4x100m livre que quase estragaram a festa. Depois, nos 100m borboleta, faltou pouquinho para Milorad Cavic virar um vilão aos olhos de tanta gente que torcia pela façanha do americano. Um centésimo, apenas um centésimo o salvou. Contando com a ajuda dos companheiros de revezamento conquistou o objetivo. Foi chamado de E.T. a herói. Não se considerava nenhum dos dois. Aquilo parecia natural porque havia trabalhado muito para que fosse assim.

O técnico nunca acreditou em dia de folga. Isso só acontecia, vez ou outra, por causa de uma tempestade de neve. No mais, se viam no mesmo local de sempre. Tinha que rezar na cartilha de Bob, um cara exigente, ex-nadador, bom músico e apaixonado por cavalos puro-sangue. Gosta de treiná-los. Talvez, como é a teoria de Phelps, porque animais e nadadores - quando estão com a cabeça dentro d'água - não possam falar. Ao modo deles, sem muitas palavras, construíram uma parceria vencedora.
Bob foi o único treinador da vida de Michael. Uma relação de amor e ódio, que nasceu quando ele ainda tinha 11 anos. A contragosto, teve de treinar sob sua batuta. Qualquer malcriação era respondida por Bob com um desafio. Ele dava disciplina e testava a força mental do pupilo. Tirava Michael da zona de conforto com séries complicadas, o fazia nadar na água fria, quebrava seus óculos para que nadasse no escuro e aprendesse a contar braçadas, ser mais técnico. Dia desses, num Mundial, os óculos se encheram de água, mas ele não se apavorou. Contou as braçadas e, mesmo não enxergando quase nada, tocou a borda na frente.
Bob aparecia também como a figura masculina mais presente em sua vida, já que o pai, Fred, policial do estado de Maryland, havia se separado da mãe quando ele ainda era criança. Com ele, aprendeu que tudo era possível se trabalhasse com afinco e perseguisse o sonho.
Apesar dos atritos e da liberdade vigiada que passou a incomodar depois do episódio da bebida em 2004, havia respeito. Phelps admitia que precisava da segurança que era passada por ele. Assim, sedimentaram o caminho até o que parecia impossível. A internet também ajudou. Dava a Bob o que precisava para mexer com os seus brios. Toda e qualquer matéria que mostrasse alguém duvidando da capacidade de Michael superar Spitz era selecionada e entregue em mãos.
Uma delas Phelps pendurou no armário para ler todos os dias. Era Ian Thorpe, fenômeno australiano que mandava na natação antes dele e de quem sempre foi fã. Sempre preferiu ações a palavras, e respondeu como mais gosta de fazer: vencendo.
Ganhou tanto, ganhou tudo, que fez muita gente duvidar de sua motivação para encarar mais um ciclo olímpico. Estava mais velho, já não sentia mais aquela mesma vontade dentro dele, já não se recuperava mais do esforço como antes. Até que deu o estalo. Durante um ano, trocou a cama por uma câmara hiperbárica, que simulava condições de altitudes elevadas e ajudava o corpo a absorver oxigênio. Dizia que era como dormir num tanque de peixes. A paixão estava de volta e ele aceitou fazer sua despedida em Londres. Não mais com aquela maratona louca de provas, não mais com a mesma facilidade. Bob previa algumas medalhas de ouro, mas não sabia precisar quantas. Admitia que o pupilo não estava na mesma forma de 2008.
Londres 2012: o fenômeno entra para a história
O que deu para perceber logo na primeira disputa: os 400m medley. Sem esconder o cansaço, chegou em quarto lugar. O homem imbatível parecia mortal como os outros. Mordido, fez a sua parte no 4x100m livre, mas ficou com a prata. Outra viria nos 200m borboleta, ao perder na batida de mão para o jovem Chad le Clos. Na mesma noite, a redenção: o ouro no 4x200m livre que o levou a bater o recorde de medalhas de Larissa Latynina. Com 19 delas na galeria, voltou a sorrir. Dali em diante foi Michael Phelps. Conquistou o tricampeonato nos 200m medley e nos 100m borboleta. Segurou o choro nas duas vezes em que subiu no degrau mais alto do pódio. Restava apenas o 4x100m medley para riscar de sua lista a última prova, aquela que colocaria um ponto final na carreira. Saiu de cena rodeado pelos companheiros, aplaudido de pé e com mais um ouro na mão. Missão cumprida.
Autor: ,postado em 05/08/2012
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