Baixinha, raçuda e ex-babá, Maria Portela sonha com pódio em Londres

Maria Portela aprendeu desde muito cedo a não se curvar às dificuldades. Aprendeu que não tinha outra saída senão encará-las. Aos 6 anos, perdeu o pai. Pouco depois, a família trocou Júlio de Castilhos por Santa Maria (RS). A casa de madeira, com goteira e chão de terra batida, passou a ser sustentada apenas pela mãe. Dona Sirley trabalhava como empregada doméstica e ainda tinha que cuidar dos quatro filhos. Esforço que não é esquecido e que serviu de exemplo para eles. Mesmo com pouca idade, a filha viu no judô uma chance de ouro para mudar de vida. Em nome do sonho, mudou de cidade quantas vezes foi preciso. Começou a trabalhar como babá para ter onde morar. As portas foram se abrindo, as pessoas certas foram aparecendo, e o lugar na seleção brasileira finalmente chegou em 2007. Mas ela quer mais. Sonha com uma medalha em Londres, no peso médio (até 70kg). A disputa terá início nesta quarta-feira, às 6h19m (de Brasília) contra a colombiana Yuri Alvear.

Maria Portela diz que está pronta para brigar por uma medalha (Foto: Luiz Pires / VIPCOMM)
Do alto de seu 1,58m, Maria Portela é a baixinha da categoria. Houve um tempo em que isso a intimidava. Hoje não. As adversárias que um dia pareceram gigantes, no tamanho e na qualidade, já não assustam como antes. Afinal de contas, João Derly também não é lá muito alto e ganhou dois títulos mundiais. Para mudar essa situação, a judoca de 24 anos passou a treinar mais do que as outras, a duvidar das críticas e a confiar mais no seu potencial. Não demorou para subir no ranking, ocupar a sexta colocação, e chegar aos Jogos como uma das cabeças de chave. Como a técnica Rosicleia Campos gosta de dizer, "Maria Portela era um patinho feio e hoje é um trator".
- A dificuldade faz a gente encarar qualquer coisa. Eu cuidava de crianças de no máximo 5 anos. Precisava daquilo e tinha que cuidar bem delas. Se não fizesse isso, me mandavam embora e eu não tinha onde ficar. Aquelas pessoas que me contratavam nunca tinham me visto na vida e confiaram em mim. Tenho contato até hoje com essas famílias. Uma menina que eu cuidei vai ter um bebê agora e disse que quer que eu cuide dele (risos). A minha última patroa me ajudou a conseguir um patrocínio. Sou iluminada. Sempre tenho pessoas boas ao meu redor. As coisas na minha vida poderiam não ter dado certo. E deram. Muita gente me ajudou. Acha que vou desanimar agora? Quando eu entrar lá para lutar, não vou estar sozinha. Essas pessoas todas vão estar comigo. E vou estar muito forte - disse.
Ansiedade de caloura
- Eu tive a oportunidade de participar do evento-teste de Londres e de ver como ia ser lutar na arena. E isso facilita. Eu evoluí bastante na categoria. Tenho que tomar cuidado e colocar os pés no chão sempre. Não posso pensar que é o maior evento do esporte para não ficar maluca. Não quero só participar. Quero brigar por uma medalha. A cabeça está pronta para isso, para não ter vontade de acabar logo.
O começo
- Meu pai faleceu quando eu tinha 6 anos de idade. Minha mãe criou os quatro filhos sozinha. Foi complicado. Mudamos para Santa Maria (RS). Ela teve que trabalhar para botar comida em casa porque nós éramos pequenos e tínhamos que estudar. Até que um professor me convidou para fazer parte de um projeto social (Projeto Mãos Dadas). Disse que não precisava pagar nada. Minha mãe gostou e deixou. Comecei a treinar de brincadeira com meu irmão. Na primeira competição ganhei e fiquei empolgada. Mas minha mãe não tinha como bancar o gasto que viria depois. Quando completei 16 anos tive que decidir se prestaria vestibular. Aí fui para Santa Catarina morar num apartamento com outras gurias na faculdade, mas treinava também.

Brasileira no pódio do Grand Slam, ao lado de adversárias mais altas que ela (Foto: Tamas Zahonyi / IJF)
Tempos de babá
- Trabalhava como babá lá em Florianópolis nos intervalos dos treinos. Morava no emprego e ia todo fim de ano para casa. Até que eu não tinha mais lugar para morar. Sempre tive vontade de ir para São Paulo. Aí apareceu a oportunidade de fazer um treinamento que era lá e com o Henrique Guimarães (medalha de bronze em Atlanta 96). Eu queria mostrar meu melhor judô a ele para poder ficar. Ele falou que se quisesse ir era só dizer. E eu fui. Não conhecia ninguém em São Paulo. Aí, fui morar na casa de um colega de treino e cuidava das crianças. Depois fui para uma república e também cuidei dos filhos do Henrique. As coisas começaram a acontecer e ele abriu as portas para mim. Entrei na seleção. Fiquei em São Paulo até o fim de 2010. Henrique não tinha mais como me ajudar e então eu fui para a Sogipa.
Exemplo
- Minha mãe é doméstica até hoje. Ela é um exemplo para mim (chora). Eu me emociono porque tenho orgulho demais dela. Mesmo com todas as dificuldades ela não nos abandonou. Mas a vida melhorou. Agora tenho ajuda do clube, da Condederação e do Bolsa-Atleta.
Máquina de treinar
- Amo demais o que faço. Agradeço a Deus por ter entrado no judô. Isso fez muita diferença na minha vida. Eu treino para mim e é como a minha casa. Falam que eu treino muito, mas eu precisei fazer isso. Também precisei treinar a cabeça. Fui desacreditada por muitos anos por muitas pessoas. Se parar de treinar agora eu posso cair. Eu tenho que me motivar sempre. Foi assim que cheguei até aqui. A maioria achava que eu não ia conseguir me encaixar na categoria, que não tinha encontrado uma maneira de ganhar das meninas mais altas. Às vezes dava uma dúvida em mim. Sempre perdia competições. Demorou um pouquinho para ganhar. Investi em mim, treinei bastante fora. Também houve pessoas que acreditaram e investiram também. Comecei a competir mais e a ganhar das adversárias. No ano passado, ganhei de uma muita difícil.
Baixinha de dar medo
- Eu acredito muito em treinamento e nas pessoas que estão ao meu redor. Sinto prazer em treinar. Hoje tenho uma concentração maior. Antes era muito insegura. Acabava pensando mais nas adversárias do que em mim. Sou a mais baixa da minha categoria e eu sempre parava e me perguntava: "Será que é isso mesmo?" Minhas rivais normalmente têm 1,70m então, eu tenho que fazer um esforço muito maior. E tive que tirar isso da minha cabeça. Tive que acreditar e treinar para não ter nenhum impedimento para ganhar. O João Derly não era alto e foi bicampeão mundial porque acreditou sempre. Era só ver a expressão dele e você sabia que ele ia ganhar. Hoje eu penso que sou maior e mais forte do que minhas adversárias. Eu olhava para as adversárias bem mais altas do que eu e pensava: "Se não tiver um estilo diferente para lutar elas me dominam. Hoje elas já me olham diferente. Devem pensar: "A baixinha está vindo brava". Para elas é mais complicado porque uma baixinha incomoda (risos).
Autor: ,postado em 01/08/2012
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